Era um glutão, sempre o fora. Desde as primeiras letras. Adorava os ás enormes daquelas cartilhas gorduchas; o desenho sinuoso que ele apreciava primeiro com os olhos, depois com os dedos, e, por último, com a boca inteira. Saboreava os ós como quem prova um manjar delicado, num movimento inocentemente erótico, até que destes restasse apenas o chapeuzinho franzino. Pequeno sinal deixado somente por vaidade.
Aprendeu a enxergar muito além das simples entrelinhas. Estava faminto.
Depois descobriu a pontuação e com ela o sentido da palavra preferência. Adorava cozinhar e fazia questão de preparar o repasto ele mesmo, cuidadosamente. Algumas vírgulas, um ponto final, talvez três seqüenciados, isso dependia bastante da ocasião, do humor, da companhia...
Não apreciava muito o travessão, verdadeiro arrasa garganta que arrastava com ele o sabor divertido de um olhar sem palavras. Preferia comer em silêncio, degustando cada ponto e vírgula. As pausas prolongadas quase sempre eram seguidas de uma boa surpresa. E para ele, exclamações de sobremesa eram bem-vindas. Ajudavam a digerir. Enzima catalisadora a acelerar o compasso daquela vida pontuada por altos e baixos.
Era sua única paixão até conhecê-la. O modo sublime com o qual ela pronunciava as palavras o fez esquecer todo o resto. Ficou fascinado por sua beleza, seus gestos suaves, sua dicção mais que perfeita. Deixou-se embalar por sua voz sonora, sua mão macia, seus olhos de rainha. Ela era um sonho. Ponto.
O casamento realizou-se alguns meses depois. No dia marcado tudo estava em seu lugar. Parecia nervoso, e era verdade. Sentia-se como um parênteses mal colocado, sem sentido, abandonado na frase. Ela, radiante, distribuía sorrisos a todos. “Fabulosa!”, pensou.
Apesar do calor, suportou bem a cerimônia. As roupas tinham um caimento perfeito já que ele emagrecera (graças à dieta que ela sutilmente sugeriu). Mesmo assim não se achava digno de tamanho primor e na ânsia de tomá-la por esposa engoliu com avidez a interrogação que o Padre ofereceu.
Morreu sufocado.
No meio da oração.
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4 comments:
pragmático??? é tu!!! que tralha é essa heim? texto grande.. tô cum preguiça.. hoje eu só queria durmiiiiiiiiiir..... fui....
Belo texto. Veramente palatável...
Segundo o PRIBERAM:
Pragmático:
adj.,
1.relativo à pragmática;
2.prático;
3.usual;
4.costumeiro.
Pragmática:
Do Lat. pragmaticu < Gr. pragmatiké, relativo a negócios
s. f.,
1.regulamento que emanava do poder civil em assuntos eclesiásticos;
conjunto de regras ou fórmulas, para cerimónias da corte ou da Igreja;
2.protocolo respeitante às relações entre o poder civil e o eclesiástico;
3.por ext. etiqueta, praxe, formalidades da boa sociedade.
Êêê!!
Consegui comentar!!
Wal, tô sem tempo de escrever agora...fazendo o trabalho de tributário...mas quero parabenizá-la, você tem futuro garota!!
Sucessos!! Beijos!!
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